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A Formação de Educadores para Atuarem na Educação Escolar de Jovens e Adultos (página 3)

5. Para além da formação inicial

Segundo Tardif (2000), as práticas docentes são delineadas não apenas pelos saberes adquiridos na universidade nos cursos de graduação, mas  também pelos saberes da experiência. Ele afirma que

(...)os saberes que servem de base para o ensino, tais como são vistos pelos professores, não se limitam a conteúdos bem circunscritos que dependeriam de um conhecimento especializado. Eles abrangem uma grande diversidade de objetos, de questões, de problemas que estão todos relacionados com seu trabalho. Além disso, não correspondem, ou pelo menos muito pouco, aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos pela pesquisa na área da Educação:
para os professores de profissão, a experiência de trabalho parece ser a fonte privilegiada de seu saber-ensinar. (2000, p. 213)

Conforme pesquisas já realizadas sobre a formação de professoras que atuam  na EJA, além da formação inicial, é imprescindível que haja a formação continuada destes professores. Moura (2009) chama atenção de que seria oportuno  rever e repensar as políticas públicas em relação os planos de formação básica inicial e continuada, incluindo o educador/alfabetizador de jovens e adultos, uma vez que é necessário reconhecer que os programas atuais de formação de professores apresentam deficiências científicas e pobreza conceitual, que segunda ela, nos leva a refletir novas possibilidades para pensar a formação do professor e  especificamente, para a formação do professor da EJA.

A docente entrevistada aponta essa deficiência e pobreza conceitual quando afirma que as alunas chegam  no quarto ano de pedagogia com algumas falhas em seu aprendizado ao longo do curso.

...eu tenho consciência que eles não saem formados no sentido latus da palavra, pra atuar na sala de aula até porque ,o que a gente descobre no quarto ano é um campo de deficiência muito grande no curso de pedagogia, eles veem lá do primeiro ano, segundo ano, terceiro ano com enormes deficiências e lacunas que são descobertas no quarto ano, por exemplo, em relação a diário, em relação a metodologia alternativas, em relação quem é a escola real que eles vão atuar, então assim, eles chegam no quarto ano ingenuamente, a gente achava que eles iam conhecer   uma  boa parte da escola por conta do novo currículo da pedagogia e a gente descobre que eles não conhecem... além deles não conhecerem ainda a EJA, que ai eles vão ver pela primeira vez eles não conhecem também praticas escolares que ajudariam a EJA, que são coisas muito simples  como preencher um diário, fazer um planejamento ...  descobri que nos últimos 10 anos, são uns cinco, só professores do curso de pedagogia que trabalham com o projeto temático e essa seria uma das metodologias... (professora entrevistada, jan. 2015)

Conforme afirma Moura (2009) é necessário que haja a formação continuada par sanar as deficiências da formação inicial, pois muitas vezes os que se propõem a alfabetizar e escolarizar jovens e adultos não possuem formação básica para tanto. Assim, é imprescindível a formação continuada, capacitação em serviço. Segundo ela,

Tem-se clareza de que a formação continuada é fundamental, mas ela se ressente de uma base teórica sólida por parte dos educadores, adquirida através da formação inicial, principalmente considerando as peculiaridades dos jovens e adultos sujeitos da prática pedagógica. Também ainda é tímida, nos meios acadêmicos, a curiosidade epistemológica em torno de se investigar e produzir conhecimento no campo da formação dos professores da e para a EJA. (Moura, 2009, p. 64)

No entanto, a professora entrevistada tem uma visão que vai além disto. Ela destaca que a formação inicial não tem como preparar por completo o profissional:

Na minha concepção nós não vamos estar prontos  nunca por que o ser humano tem mudado muito a própria inteligência, nos últimos anos com as pesquisas, então o que agente pode ver, o professor tem que estudar sempre, nenhum curso de licenciatura vai dizer pro professor  você está pronto para atuar em 100% em qualquer área. (professora entrevistada, janeiro 2015)

Isto também é apontado pelas discentes entrevistadas nesta pesquisa, quando dizem que não saem preparadas do curso de pedagogia para atuar na EJA, e que a disciplina apenas dá uma base para atuarem na EJA:

...a teoria que eu tenho vai me ajudar, mas preparado a gente nunca está preparada...  é só uma formação inicial, por isso que a gente tem que procurar o que a gente quer e buscar formação continuada... (graduanda entrevistada, dez. 2014)

Diante de tudo que foi destacado até agora, pode-se sintetizar que a formação continuada é algo inerente à formação básica do profissional que se propõe a atuar na EJA, pois o  curso de pedagogia somente norteia, mostra o caminho onde se pode buscar subsídios para melhorar essa formação inicial.


6. Paulo Freire: uma inspiração para EJA

Durante a pesquisa, a presença de Paulo Freire foi constante. Nas referências das  pesquisas já realizadas sobre o tema, como por exemplo, Moura (2009); na ficha da disciplina ofertada no quarto ano do curso pesquisado, onde aparece como bibliografia básica os livros Pedagogia da Autonomia (1996) , Medo e ousadia: cotidiano do professor (1986); na reportagem da revista Nova Escola, Paulo Freire aparece como  o nome do Centro Municipal de Educação do Trabalhador; na entrevista da professora da disciplina EJA do curso de pedagogia. Enfim em tudo que foi estudado para esta pesquisa é evidente a contribuição de Freire para o ensino de jovens e adultos.

Historicamente, Paulo Freire sempre demonstrou uma preocupação em relação à escolarização do aluno jovem e adulto, sempre enfatizou a importância da leitura e da escrita para a  revisão profunda nos modos de conceber o mundo e nas disposições dos jovens e adultos para tomar nas mãos o próprio destino. Nos anos 1950, foi realizada a campanha nacional de erradicação do analfabetismo (CNEA), que marcou uma nova etapa nas discussões sobre a educação de adultos. Freire propõe nessa ocasião a educação libertadora/conscientizadora. No livro Pedagogia do Oprimido, Freire faz uma crítica a pedagogia opressora:

Na medida em que esta visão "bancária" anula o poder criador dos educandos ou o minimiza, estimulando sua ingenuidade e não sua criticidade, satisfaz aos interesses dos opressores: para estes, o fundamental  não é o desnudamento do mundo, a sua transformação. O seu "humanitarismo", e não humanismo, está em preservar a situação de que são beneficiários e que lhes possibilita a manutenção de sua falsa generosidade a que nos referimos no capítulo anterior. Por isto mesmo é que reagem, até instintivamente contra qualquer tentativa de uma educação estimulante do pensar autêntico, que não se deixa emaranhar pelas voes parciais da realidade, buscando sempre os nexos que prendem um ponto a outro, ou um problema a outra.

Na verdade, o que pretendem os opressores "é transformar a mentalidade dos oprimidos e não a situação que os oprime", e isto para que, melhor adaptando-os a esta situação, melhor os domine. (Freire, 1987)

Essa opressão ocorreu com o golpe militar de 64, onde a ditadura tenta silenciá-lo, substituindo sua proposta libertadora pelo Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização),que tinha propostas opostas das ideias freireanas, e formava o analfabeto funcional,  pois os adultos analfabetos que frequentavam o curso apenas, aprendiam técnicas elementares de leitura, escrita e cálculos. Porém a ditadura não conseguiu calar Paulo Freire, que até hoje inspira os educadores não só da EJA. Ele sempre foi preocupado com formação docente, a qual deve possibilitar para os alunos a produção  ou a construção do conhecimento. Segundo ele,
 

(...) alguns saberes fundamentais à prática educativo- crítica ou progressista e que, por isso mesmo, devem ser conteúdos obrigatórios à organização programática da formação docente. Conteúdos cuja compreensão, tão clara e tão lúcida quanto possível,  deve ser elaborada na prática formadora. É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo - se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que  ensinar não é  transferir conhecimento,  mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção. (Freire, 2002)

No entanto, como destaca a professora entrevistada, muitas de suas ideias apesar de estudadas no curso de pedagogia, ainda não efetivadas no cotidiano escolar. Segundo ela, Paulo Freire fez mais filosofia do que método de alfabetização, ele deixou crenças possíveis de se trabalhar, que ainda não vemos na escola:

...o que a gente aprende com Paulo Freire ele fez mais filosofia do que um método de alfabetização, o Paulo Freire deixa pra nos acresças possível da gente trabalhar, pensar que tem coisa que ele escreveu que nós não vemos ainda na escola..., a gente pensa: - ah ele está vivo! Mas, não! Ele morreu há muito tempo né, ele escreveu isso há mais de 30 anos, então a escola cresce a passos muito lentos, muito lentos. (professora entrevistada, jan. 2015)

Paulo Freire sempre teve a perspectiva de que a educação devesse visar à libertação, à transformação da realidade, permitindo que jovens e adultos sejam vistos e reconhecidos como sujeitos de sua história. Para ele, a educação na sua visão mais ampla deve possibilitar a leitura crítica do mundo.

Em consonância a tudo que foi mencionado, Freire apresenta uma preocupação em relação a formação do educador, pois para ele o professor educador é aquele que almeja uma sociedade melhor e, por isso,  deve  estimular a busca da transformação de jovens e adultos. Lembrando que a filosofia de Freire se fundamenta em dois elementos básicos: a conscientização e o diálogo, onde a leitura do mundo precede a leitura da palavra.

Abordar o tema educação na sua totalidade sem a ótica social de Freire não seria a mesma coisa. Pois o educador criou uma proposta para alfabetização de adultos que inspira nos dias de hoje programas de alfabetização e educação popular.

Vale lembrar que em janeiro de 62 foi feita a primeira experimentação de alfabetização com método freireano. Segundo Cunha e Góes (1985, p. 20) ele emprega um método eclético e com meios visuais. Os autores são pertinentes em destacar essa experiência, ressaltando que em todas elas houve resultados semelhantes, em um grupo de quatro  alunos no período de dois meses com aproximadamente trinta horas, um dos alunos estava lendo trechos relativamente difíceis.

 O educador para atuar na EJA deve ter uma visão de transformação, ser consciente que o jovem e o adulto trazem uma experiência de vida, por isso é necessário fazer uma leitura de mundo, de vivência desses alunos Neste sentido, a  formação básica baseada no Método Freire é muito importante, pois amplia a visão para uma educação social, onde o educador é 

...apenas um ajustador do aluno em relação à alfabetização (aprendizagem), esse aluno é quem deve criar o saber, criar no sentido de fazer a alfabetização de dentro pra fora. Esse saber não tem de ser entendido como algo que é posto ou doado pelo professor ao aluno.  Freire, 2002

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Como referenciar: "A Formação de Educadores para Atuarem na Educação Escolar de Jovens e Adultos" em Só Pedagogia. Virtuous Tecnologia da Informação, 2008-2024. Consultado em 04/05/2024 às 18:42. Disponível na Internet em http://www.pedagogia.com.br/artigos/a_formacao_de_educadores/index.php?pagina=2